Nos últimos anos, o mundo se depara com crescente inquietação com o fortalecimento da chamada machosfera, que nada mais é do que o conjunto de grupos, comunidades, páginas, canais e influenciadores nas redes sociais digitais que difundem discursos antifeministas, misóginos e violentos contra as mulheres.
Essa rede se apresenta como espaço de apoio para homens, adolescentes e até meninos em crise ou buscando autoconhecimento, reconhecimento (como o apresentado na série da Netflix Adolescência), mas esconde, na verdade, uma lógica perversa que transforma inseguranças masculinas em ressentimento e ódio, oferecendo a dominação como forma de identidade e validação.
Pesquisas recentes mostram que a machosfera não é um fenômeno marginal. Estudo conduzido pelo NetLab da UFRJ em parceria com o Ministério das Mulheres, divulgado no final de 2024, identificou 137 canais brasileiros no YouTube com conteúdo misógino explícito. Esses canais somam juntos mais de 3,9 bilhões de visualizações e cerca de 152 mil inscritos por canal.
O mais alarmante é que mais de 80% deles monetizam esse conteúdo, vendendo consultorias, mentorias e cursos com promessas de sucesso com as mulheres ou desenvolvimento masculino, alguns cobrando mais de R$ 1.000 por atendimento. Ou seja, há um mercado altamente lucrativo que se alimenta da insegurança emocional de meninos e homens, promovendo uma masculinidade tóxica e violenta como solução. Isso tudo sem falar nas comunidades e perfís misógenos nas redes sociais digitais como Instagram ou Tik Tok, por exemplo.
A partir de 2021, o número de vídeos com essa retórica cresceu vertiginosamente, acompanhando escalada de violência na vida real. Sim, é possível atrelar o aumento de casos de violência contra a mulher e até feminicídios com os conteúdos disseminados pela tal rede da machosfera.
No Brasil, os casos de feminicídio subiram de 1.347 em 2021 para 1.463 em 2023, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A violência doméstica aumentou quase 10% em apenas um ano. Ou seja, é possível que haja ligação direta entre o que ocorre no ambiente digital e as consequências na sociedade presencial. Os discursos de ódio e desvalorização da mulher não ficam apenas nas telas, mas saem das redes diretamente para a vida real e moldam comportamentos, justificam abusos e alimentam ciclos de violência e morte.
Internacionalmente, os dados também são preocupantes. Segundo o relatório State of American Men, publicado pela organização Equimundo em 2023, 40% dos homens entre 18 e 45 anos nos Estados Unidos disseram confiar em pelo menos uma voz da chamada machosfera. Entre os homens mais jovens, especialmente na faixa dos 18 aos 23 anos, esse número se aproxima de 50%. Esse tipo de conteúdo se disfarça de autoajuda ou autoconhecimento, e opera com base em regras que reforçam o desprezo por mulheres, a competição predatória e a negação das emoções masculinas. A ideia de ser homem, nessa rede, é reduzida a um ideal performático, no qual não há espaço para vulnerabilidade, empatia ou escuta.
É preciso reconhecer que muitos meninos chegam a esses espaços porque estão, de fato, em busca de pertencimento, segurança, direção. Em um mundo onde muitas vezes falta apoio emocional, no qual a saúde mental dos jovens ainda é um tabu e os modelos positivos de masculinidade são escassos, a machosfera surge como uma promessa de clareza. Mas trata-se de uma promessa falsa, que cobra caro e entrega o que nossos meninos, jovens e homens jamais deveriam sentir pelas mulheres: ódio, desprezo e ressentimento.
Como educadores, pais, mães e sociedade temos o dever de intervir antes que esses discursos se tornem referência na vida de nossos jovens.
Há prevenção?
Prevenção? Ah, meus amigos e amigas, a prevenção passa por várias frentes!
A prevenção começa em casa, com a necessidade de ensinarmos desde cedo que masculinidade não é sinônimo de força bruta, domínio ou silêncio emocional.
É necessário criar espaços seguros onde os meninos possam falar sobre sentimentos, fracassos, autoestima, sexualidade, medo e solidão sem serem ridicularizados ou punidos por isso. Em casa, meninos e meninas precisam ser capacitados para a empatia, solidariedade, acolhimento e devem ter as mesmas tarefas domésticas, direitos e deveres. Isso já equaliza muita coisa, quando falamos em criação de nossos filhos com equidade, responsabilidade e amor.
Também é urgente que as escolas introduzam alfabetização digital, informacional e emocional robustas, ensinando os jovens a identificar manipulações retóricas, discursos de ódio, preconceituosos e misógenos camuflados de humor ou conselhos, e os riscos do radicalismo online. A escola precisa ensinar crianças e jovens a questionar o que leem, veem e ouvem na internet.
Outro ponto fundamental é oferecer novos modelos de masculinidade, a exemplo de homens que se expressam com respeito, que se comprometem com o cuidado, escuta e diálogo. É esse o caminho para que meninos possam crescer livres da vergonha e da violência que esses grupos disseminam.
E mais! É preciso agir em parceria com as plataformas digitais. Redes sociais e aplicativos como YouTube, TikTok e Instagram devem ser cobradas por moderação mais eficiente, já que elas têm responsabilidade sobre o que viraliza e se normaliza em suas timelines.
Além disso, é sempre bom reforçar que para romper de forma eficaz o ciclo de violência contra a mulher, é imperativo que os casos de feminicídio e de violência doméstica sejam julgados e punidos com rapidez e rigor, conforme estabelece a legislação brasileira.
Relatório do CNJ de 2022 revela que o tempo médio até a primeira sentença nesses processos foi de 2 anos e 10 meses nas varas não exclusivas e 2 anos e 9 meses nas varas especializadas. Em alguns tribunais estaduais, os prazos são ainda mais extensos, como no Tribunal de Justiça da Bahia, onde o tempo médio de um processo levou 4 anos e 7 meses até a primeira decisão.
Essa morosidade judiciária prolonga o sofrimento das vítimas e transmite a mensagem de impunidade que desencoraja denúncias e estimula as ações violentas. Embora medidas protetivas de urgência sejam concedidas em até dois dias, perder de vista o andamento rápido dos processos faz com que essas decisões percam eficácia. Desta forma, e creio que todos já estejamos cansados de saber, é necessário que o Judiciário honre a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio como crime hediondo com respostas judiciais firmes e imediatas. A celeridade protege vidas e envia sinal claro de que a legislação é real, funciona, e a violência será enfrentada e punida rapidamente. Bottom of Form
A machosfera é uma armadilha que promete força, mas entrega ódio. Promete reconhecimento, mas entrega isolamento. Como educadora, cidadã e educadora acredito que só iremos vencer essa cultura tóxica e violenta quando oferecermos alternativas reais de afeto, de conhecimento e de pertencimento. Quando um menino encontra apoio para ser quem é, sem precisar performar virilidade agressiva, ele cresce mais inteiro. E todos queremos que nossos meninos cresçam para ser grandes não em força, mas em empatia, cidadania, consciência e humanidade.
Pergunta que não quer calar? Machosfera não é crime?
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